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Melhor amigo do homem? Docentes da UFF discutem cuidados e maus-tratos de animais

Sancionada na última quarta-feira, dia 29 de setembro, a lei que criminaliza de forma mais dura aqueles que maltratam cães e gatos, podendo levá-los à prisão por até cinco anos, recolocou em cena a relação que os humanos têm com os animais. Recentemente, os maus-tratos dirigidos aos bichos domésticos ganharam as manchetes dos noticiários durante a pandemia de COVID-19, embora as cenas de abandono e descuido também não sejam incomuns em clínicas de veterinária e centros de tratamento em geral, independentemente da sua localização geográfica. De acordo com relatos de organizações não governamentais de defesa e proteção animal, por exemplo, aumentaram os registros de denúncias de maus-tratos durante os últimos meses.

Para o coordenador do Laboratório de Estudos do Comportamento Humano e Animal (LECHA-UFF) e do Serviço de Avaliação Neuropsicológica, Elton Hiroshi Matsushima, a crueldade dirigida aos “pets” é comum a muitas outras espécies, embora de formas distintas. “A relação que nossas sociedades têm com os animais muitas vezes descamba para uma exploração dos mesmos em diversos aspectos, desde a criação para fins de alimentação, para fins de diversão (como os zoológicos, circos e caça ‘desportiva’), até a exploração de animais silvestres para consumo e tráfico. As ameaças de zoonoses (como a COVID-19 que enfrentamos recentemente) e de desequilíbrio ambiental são consequências diretas destas interações exploratórias”.

De acordo com o pesquisador, “nossa relação com os animais varia desde a repulsa, com relação a bichos associados a doenças e à sujeira, até o amor familial, como no caso de nossos ‘pets’ de estimação, passando pela exploração, em que eles são mantidos não como companheiros e com certo nível de equivalência, mas como um recurso. Este vínculo acontece na pecuária extensiva, no uso de determinadas espécies como força motriz, no uso dos silvestres como iguarias alimentares, no uso como cobaias”.

Numa época em que impera o individualismo e a falta de empatia, ter um olhar mais amoroso com os animais é um grande passo: Quem sabe não é exatamente deles, tidos por muitos como ‘irracionais’, que virá a luz para colocar a humanidade novamente em contato com uma vida pautada em valores como a solidariedade e o amor ao próximo?”, Flávio Batista Moutinho.

No que diz respeito especificamente aos animais domésticos, o professor chama a atenção para os aspectos de antropomorfização, quando se atribui características humanas àquilo que não é. Se por um lado, pode promover o respeito a este animal em sua individualidade; por outro, estimula a incompreensão de que ele não é um ser humano e, portanto, possui suas especificidades, como cuidados alimentares particulares que garantam sua saúde. Além disso, “os ‘pets’ de estimação muitas vezes são considerados como uma saída para a ausência de suporte afetivo, dado que eles propiciariam o afeto sem julgamento, sem contrapartida. Entretanto, os estudos demonstram que existem afetos que podem ser fornecidos por animais e outros que não são preenchidos por estas relações”, destaca.

Visando construir uma cultura de cuidado e respeito aos animais, em contraste com as extensas práticas de exploração e abuso citadas por Elton Matsushima, em 2019 foi desenvolvido pela Faculdade de Veterinária da UFF o projeto “Projeto Melhor Amigo: na rua, na chuva, em qualquer lugar – diagnóstico situacional dos cães e gatos da população em situação de rua de Niterói”. Com a coordenação do professor do curso e também do programa de Pós-Graduação em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva, Flávio Batista Moutinho, o programa conta com a participação de docentes e alunos e possui como parceiro o Centro de Controle de Zoonoses de Niterói.

O intuito da iniciativa é o de mapear os moradores em situação de rua que têm cachorros de companhia, avaliar a relação desses indivíduos com seus animais, bem como fazer uma investigação sobre a situação sanitária, possibilitando o diagnóstico de uma série de doenças e uma avaliação clínica básica. Ademais, trabalha-se a educação em saúde, efetua-se a vacinação contra a raiva e, quando possível e necessário, é fornecida medicação antiparasitária.

Para Flávio, “a relação com os animais pode ser plena e isso vai depender de cada pessoa. A experiência de nosso trabalho com pessoas em situação de rua, por exemplo, mostra exatamente como esses bichos são, na medida do possível, bem cuidados e importantes para a maioria desses indivíduos, para aplacar a solidão, para fazer companhia, para aumentar a autoestima”.

Segundo o coordenador do projeto, a convivência entre humanos e animais, a exemplo da que existe entre o morador de rua e o seu cão, pode proporcionar uma série de benefícios. Ele afirma haver muitos estudos que demonstram o aumento da responsabilidade por parte de donos e cuidadores de animais, assim como dos hábitos saudáveis (diminuição do sedentarismo), uma melhora do humor e uma maior socialização. Flávio também cita o exemplo dos cães-guia e da equoterapia, entre outras terapias com uso de animais.

Mas como todo relacionamento, também esse, quando em desequilíbrio, pode trazer malefícios. “É o caso dos acumuladores de animais, uma enfermidade em que sofrem os bichos, os indivíduos, suas famílias e a vizinhança pela situação de insalubridade e precariedade na qual vivem tanto o indivíduo cuidador quanto os animais, criados geralmente numa quantidade bem superior à que se tem condições de cuidar de maneira adequada. Outro caso é o do tutor que não faz a chamada ‘guarda responsável’ e que resulta em maus-tratos ou no desenvolvimento de zoonoses, que são doenças transmissíveis aos humanos”, alerta o professor.

Flávio finaliza dizendo que, numa época em que impera o individualismo e a falta de empatia, ter um olhar mais amoroso com os animais é um grande passo: “Quem sabe não é exatamente deles, tidos por muitos como ‘irracionais’, que virá a luz para colocar a humanidade novamente em contato com uma vida pautada em valores como a solidariedade e o amor ao próximo?”.

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