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Pesquisas sobre fisiologia do exercício representam legado acadêmico na UFF

Olimpíadas 2016

Os Jogos Olímpicos de 2016 deixam um legado de transformações pelo Rio de Janeiro. À primeira vista, as principais mudanças se dão nas áreas de infraestrutura, serviços públicos e incentivo à prática de esportes. Mas há também o legado acadêmico, pouco falado, que se perpetuará graças às universidades e institutos. Na UFF, um desses polos é o Laboratório de Ciências do Exercício (Lace), em atividade no Instituto Biomédico desde 1994. De forma multidisciplinar, a equipe pesquisa a fisiologia humana durante a prática de atividade física.

A fisiologia do exercício é uma área do conhecimento que investiga como o organismo funciona quando indivíduos saudáveis ou com doenças se exercitam, desde movimentos mais simples até atividades de alto impacto. O coordenador do Lace, Antonio Claudio da Nóbrega, explica que os projetos adotam o conceito de atividade de forma ampliada, entendendo atividade física, exercício e esporte como conceitos distintos e trabalhando com as três dimensões.

Segundo o professor, atividade física é qualquer contração muscular que eleva o gasto energético, em comparação com o estado de repouso. Já o exercício é a atividade física estruturada, com objetivo específico – que pode ser o de melhorar a capacidade cardiovascular ou o condicionamento, ganhar mais saúde ou perder peso, por exemplo. O esporte, então, é o exercício realizado sob algumas regras e que pressupõe algum nível de competição, mesmo que de forma recreativa.

O coordenador do Lace conta que quando o laboratório foi criado o interesse inicial era na fisiologia do exercício em si e em sua prática para a promoção da saúde, sem foco específico no esporte de competição. Mas, com a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas, os pesquisadores foram estimulados a desenvolver e criar um legado de conhecimento científico sobre atividade física, exercício físico e esporte, a fim de estimular na população o aumento da prática e provocar impacto duradouro na produção científica do estado.

Nosso objetivo não é exatamente tornar o Brasil uma potência olímpica esportiva superior às outras, mas aumentar o grau de atividade física da população” – Antonio Claudio da Nóbrega.

O Lace hoje envolve cerca de 40 pesquisadores, estudantes e docentes de áreas como Enfermagem, Medicina, Biomedicina, Farmácia e Educação Física, entre outras, com a finalidade de realizar pesquisa, extensão e apoio ao ensino, da graduação ao pós-doutorado. Em paralelo às pesquisas na UFF, os membros atuam em uma rede colaborativa com outras instituições, o que tornou o laboratório um catalisador da aproximação de projetos.

Um dos pontos altos dessa articulação foi a aprovação, neste ano, do projeto “(In)atividade Física e Exercício” como um dos cinco Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) coordenados e sediados na UFF. A rede multi-institucional “(In)atividade Física e Exercício” prevê ações estratégicas sobre o impacto da atividade, do exercício e da prática esportiva em diversas esferas – molecular, fisiológica, antropológica, epidemiológica, social e de saúde pública. O objetivo é contribuir para a redução dos gastos com saúde e dos impactos da taxa de doenças e mortes, a chamada morbimortalidade, que incide sobre a população.

A criação de INCTs é financiada pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e agências estaduais de fomento à pesquisa (Faperj, Fapesp, Fapemig e outras). O objetivo é mobilizar os melhores grupos de pesquisa brasileiros e promover o avanço da ciência, tecnologia e inovação, articulando diferentes áreas para a projeção internacional e o desenvolvimento sustentável do país. Antes mesmo de compor um INCT, o Lace já era um dos núcleos financiados pela Faperj nos últimos anos em editais como Apoio à Inovação nos Esportes, Equipamento Solidário, Apoio ao Desenvolvimento de Inovações no Esporte e Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex).

Uma das pesquisas mais conhecidas do laboratório desenvolveu um método de treinamento para praticantes de esporte de combate, como taekwondo, jiu-jitsu, judô e boxe. Entre outros aspectos, o experimento avaliou a capacidade aeróbica e o gasto energético durante o treino e recomendou um protocolo visando à melhora da performance e otimização do treinamento de cada atleta. “Acompanhamos inclusive atletas no nível da Federação Brasileira de Taekwondo, realizando a medida do consumo de oxigênio e outros gases, um teste de esforço na esteira e o gesto motor específico da luta, como as sequências de chutes”, explica Nóbrega, ressaltando os benefícios desse conhecimento não apenas para os esportistas, mas também para os instrutores. “Tivemos notícias de que o protocolo está sendo usado por treinadores, não só para a avaliação inicial de seus atletas, mas também de forma contínua, para medir o desenvolvimento deles. Faltavam instrumentos objetivos e específicos para isso”, afirma. O estudo foi publicado no final de 2015 na revista acadêmica norte-americana Journal of Strength and Conditioning Research.

Experiências com voluntários permite observação da pesquisa na prática

Ao longo dos anos de atividade, o Lace vem promovendo diversas pesquisas com o uso de colaboradores que voluntariamente se submetem aos experimentos. De acordo com a pesquisadora Natália Galito, professora do Departamento de Fisiologia e Farmacologia e uma das responsáveis pelo Lace, os participantes atendem às convocações feitas pelos pesquisadores, seja por meio da publicação de notas em jornais locais de grande circulação ou por cartazes distribuídos dentro e pelo entorno dos campi da UFF em Niterói. A maioria dos interessados são estudantes e funcionários da universidade e, eventualmente, moradores do próprio município e de São Gonçalo. “Por saber que se trata de um laboratório de ciências do exercício, eles já nos procuram querendo participar de algum projeto. Aí, apresentamos os projetos que vêm sendo desenvolvidos e norteamos essas pessoas, conforme o perfil buscado. É importante que tenham disponibilidade de tempo”, conta a professora. Em experiências que envolveram treinamento físico dos voluntários, entre 2011 e 2012, por exemplo, o hall do laboratório era adaptado com equipamentos para treinamento de musculação, como esteira e bicicleta ergométrica. “Muita gente procurava o Lace interessada em participar dos projetos e, consequentemente, treinar. Cada pessoa treinava três meses conosco, sempre com um profissional de Educação Física para acompanhar durante todo o processo”, ela lembra, ressaltando ainda que todo experimento com humanos tem que passar pela aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da universidade.

“Como o Lace agregou pesquisadores com várias expertises, o perfil do laboratório mudou um pouco. Além de estudar o funcional, nós investigamos mais os mecanismos moleculares e celulares por trás dos procedimentos. No momento, optou-se por equipamentos que possibilitem um estudo por diversas áreas, então, a sala conta com no máximo com um aparelho de exercício ou equipamentos menores, como o handgrip”, explica Natália, cuja linha de investigação analisa mecanismos associados à função endotelial – em resumo, alterações no endotélio, que é a camada que reveste o interior dos vasos sanguíneos, podem ser indicativos de problemas cardiovasculares e arteriais.

O handgrip é um aparelho de exercício em forma de bastão desenvolvido para avaliação da resistência e fortalecimento dos músculos das mãos, dedos, punhos e antebraço. No Lace, é utilizado para pesquisar o que acontece no cérebro quando uma pessoa realiza um exercício de preensão manual. O estudo, coordenado pelo pós-doutorando Igor Fernandes, avalia esse impacto sobre o fluxo sanguíneo dos vasos do cérebro e sobre o Sistema Nervoso Simpático (SNS), responsável por mobilizar as respostas do corpo humano ao estresse. O SNS, a prática de exercício e a pressão arterial estão diretamente ligados, uma vez que o aumento da frequência cardíaca e da força de contração leva a um aumento da pressão arterial. Em pacientes com hipertensão crônica ou insuficiência cardíaca, o SNS está desregulado, o que, segundo Igor Fernandes, é um problema para o coração, para os vasos e, consequentemente, para a pressão arterial, interferindo na irrigação de órgãos e tecidos.

Fernandes e a equipe – formada pelos pesquisadores Daniel Mansur, João Dario de Mattos, Marcos Paulo Rocha e Monique Opuszcka – utilizam no experimento a fenilefrina, um medicamento que bloqueia parcialmente a reação do sistema nervoso simpático. “Em exercício, o SNS está atuando de maneira mais intensa, se comparado a condições de repouso. Quando o voluntário, que é jovem e saudável, contrai a mão, regiões específicas do cérebro são ativadas para que o movimento aconteça, principalmente as do lado oposto à mão que faz o exercício. Quando essas áreas estão ativas, os neurônios precisam de oxigênio, e acontece uma série de reações que resultam no aumento do fluxo sanguíneo, para levar oxigênio e nutrientes e sangue para aquelas regiões. Durante o exercício, tanto por informações que vêm do próprio cérebro quanto informações dos músculos que estão fazendo a contração, elas fazem com que o SNS seja mais ativado. Quando o sistema é bloqueado, ao invés de observar o aumento do fluxo de sangue apenas da região contralateral, você observa para ambos os lados, como se ele estivesse fazendo o exercício em ambos os lados. Então, com a ação do bloqueador, a pressão arterial sobe menos. Ou seja, a contração de cada vaso é menor, o que consequentemente faz com que o sangue passe com mais facilidade e, aí, a pressão fica menor”. O pesquisador tinha algumas hipóteses sobre o que interfere no aumento da pressão e, com essa pesquisa, conclui-se que de fato existe alguma contribuição do SNS nessa regulação. Os dados preliminares foram publicados na American Journal of Physiology (Revista Americana de Fisiologia).

Em breve, a etapa seguinte do estudo se dedicará à ação do SNS na condição de exercício em pacientes idosos, mais propensos a desenvolver doenças cardiovasculares do que as pessoas jovens. “É uma consequência de vários hábitos ao longo da vida, mas também do envelhecimento de órgãos, tecidos do corpo e do tônus muscular cerebral. O idoso, na condição de exercício, e comparado com o indivíduo jovem, tem menos aumento do fluxo sanguíneo para as regiões do cérebro afetadas por aquele exercício e, em condições de repouso, o SNS está mais ativado. As respostas que observamos aqui são as mesmas na condição de envelhecimento e na deterioração da ativação cerebral, até mesmo a quantidade de massa cerebral funcional, que diminui durante o envelhecimento. Será que elas exercem alguma influência sobre a regulação do fluxo para o cérebro? Esse menor aumento do fluxo de sangue durante o exercício é sempre uma consequência de maior ativação do SNS em idosos? É isso que pretendemos investigar”, adianta Fernandes.

“Qualquer identificação de tratamento ou minimização dos efeitos do envelhecimento sobre o corpo é importante para a saúde de modo geral, mas também para a economia e o país. E quando pensamos em envelhecimento, o exercício é uma ferramenta essencial para minimizar seus efeitos deletérios do envelhecimento, sendo benéfico para a saúde mental e para o aumento da qualidade de vida. No cotidiano, o exercício regular é, talvez, uma das mais potentes intervenções não farmacológicas que conhecemos”, afirma o pós-doutorando.

Referência em fisiologia do exercício e na medicina esportiva, Antonio Claudio da Nóbrega, que atualmente é vice-reitor da UFF, endossa a importância da atividade física na vida de todas as pessoas. “Você pode lidar com a promoção da saúde por meio da atividade física sem necessariamente ter indivíduos que sejam esportistas, pois você pode ser fisicamente ativo de diversas formas. Ao aumentar, por exemplo, o número de lances de escada que se sobe por dia, diminui-se o risco de doença cardiovascular, que é a principal causa de morte natural no país”, exemplifica. Doutor em Fisiologia pela UFRJ e Universidade do Texas (EUA), foi médico-colaborador da Confederação Brasileira de Esportes Aquáticos (CBDEA) e atuou nos Jogos Panamericanos de Indianápolis (1988), Olimpíadas de Inverno de Nagano, no Japão (1998), e em diversos mundiais de natação. Foi um dos médicos credenciados pela autoridade olímpica no comitê antidoping durante as Olimpíadas de Atlanta (1996) e avaliou a delegação dos atletas brasileiros em Seul (1988).

Em relação ao contexto olímpico, o coordenador do Lace acredita que essa é uma chance para que a população se torne mais interessada em atividade física. “Nosso objetivo primário não é exatamente tornar o Brasil uma potência olímpica esportiva superior às outras, mas se aproveitar do encanto, da atração e da admiração pelos Jogos Olímpicos para aumentar o grau de atividade física da população. Isso contribui para reduzir a incidência de doenças cardiovasculares, prevenir vários tipos de câncer, ampliar a autoestima e o bem-estar, prolongar a vida e, consequentemente, reduzir os gastos governamentais com saúde, otimizando os impostos e os investimentos para ações preventivas e de melhoria da qualidade de vida. É um conjunto de benefícios individuais e coletivos tão grande, que essa tem sido a principal motivação do Lace desde que foi criado e esse seria o nosso maior legado”, conclui.

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