Programa de tutoria garante integração de alunos com deficiência na UFF

A Lupa Eletrônica permite que alunos com perda visual leiam com mais facilidade Foto: Gabriella Balestrero

Desde a criação do Núcleo Sensibiliza em 2009, a universidade vem desenvolvendo projetos que permitem uma maior integração de alunos, professores e funcionários com deficiência no ambiente acadêmico. Hoje, por meio dos esforços da atual Divisão de Acessibilidade e Inclusão Sensibiliza UFF (DAIS), criada em 2013 e vinculada à Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Proaes), a instituição oferece uma bolsa para estudantes que acompanhem a rotina acadêmica de colegas com algum tipo de deficiência, seja ela visual, motora ou auditiva.

A Bolsa Tutoria do projeto PDI-UFF Acessível foi criada com o objetivo de ajudar estes alunos a superarem as dificuldades encontradas em sala de aula, no convívio com colegas e professores, nas barreiras atitudinais, metodológicas, comunicacionais e arquitetônicas enfrentadas no cotidiano acadêmico. O projeto disponibiliza aos estudantes com deficiência um monitor, que atua como tutor, facilitando o dia a dia na instituição. “O bolsista-tutor veio para garantir o ingresso e a permanência do aluno com deficiência. Ele não é um anjo da guarda, e sim um facilitador”, explica a subcoordenadora do Sensibiliza, Lucília Machado.

Atualmente, o Sensibiliza concede 40 bolsas de apoio acadêmico para graduandos que auxiliam os alunos deficientes em salas de aula, bibliotecas, ou em laboratórios acessíveis. Eles também atuam na digitalização de textos, desenvolvimento de tecnologias assistivas, acompanhamento acadêmico e outras tarefas administrativas.

Às vésperas de mudar sua sede para o térreo do Bloco A, no campus do Gragoatá, o Sensibiliza funciona desde 2014 na antiga Casa do Estudante Fluminense, no bairro de São Domingos. A divisão tem 130 alunos com deficiência cadastrados, mas nem todos necessitam do apoio dos bolsistas-tutores. A maior parte dos beneficiados possui deficiência visual (cegueira e baixa visão).

Para adquirir o auxílio, é necessária a apresentação de uma documentação comprobatória. O bolsista normalmente é selecionado pelo próprio solicitante, ou pela coordenação do curso. Cada estudante pode ter um ou mais tutores, dependendo de suas necessidades. Normalmente, os bolsistas são do mesmo curso e do mesmo período que o aluno deficiente, mas isso não é um requisito para a bolsa.

Você se torna um canal de toda aquela realidade que o aluno não percebe visualmente. Tentar passar isso para eles é uma responsabilidade muito grande." - Francielle Gonçalves

Preconceito é um grande obstáculo

No dia 10 de junho, o Sensibiliza UFF completou seis anos, e além do trabalho de promoção da acessibilidade na universidade, o programa de Bolsa Tutoria foi uma das maiores conquistas da divisão. Lucília conta que em 2005, um aluno com paralisia cerebral chamado Thiago Lacerda entrou na universidade. “Na época, os professores não acreditavam no sucesso dele, ele não conseguia escrever e falava com dificuldade. Hoje, esse estudante está no doutorado de Física. O Thiago precisou de um monitor para ajudá-lo em sua rotina estudantil. Ele foi o primeiro a receber o acompanhamento de um bolsista-tutor”.

Além de essencial para os estudantes deficientes se manterem na universidade, a bolsa tutoria também é importante para os bolsistas. A aluna de Serviço Social, Francielle Gonçalves, falou da relevância da tarefa. “Você se torna um canal de toda aquela realidade que o aluno não percebe visualmente. Tentar passar isso para eles é uma responsabilidade muito grande”. Francielle e Gerlaine Pontes são tutoras de Paulo Roberto Silva, aluno cego, que como elas, também cursa Serviço Social. Os três são alunos do mesmo curso de graduação.

Inicialmente, elas faziam a leitura e gravação dos textos bibliográficos das disciplinas, além de gravar o conteúdo das aulas. Hoje, Paulo utiliza o equipamento de leitor autônomo disponibilizado pela UFF, que digitaliza o texto permitindo que ele estude em casa. O equipamento é operado pelas bolsistas, que sistematizam as informações das aulas para o aluno.

Para atender as necessidades dos estudantes surdos, o bolsista deve estar ainda mais preparado. Nesses casos, ele precisa ser intérprete de LIBRAS. Segundo Lucília, os surdos têm mais dificuldades para se adaptar, pois a primeira língua deles é a língua brasileira de sinais. “O surdo tem um mundo visual. Eles possuem toda uma cultura própria, aprendem primeiro LIBRAS e depois o português, o que prejudica o aprendizado deles na universidade”.

O número de alunos com deficiência auditiva na UFF ainda é muito baixo, dois na graduação e cinco no mestrado. Este é só um dos muitos desafios ainda enfrentados pelo Sensibiliza para aumentar a inclusão e integração na universidade. “Nossa maior dificuldade é que muitos professores declaram de imediato um distanciamento, não querendo se envolver nessa questão. Eles desconsideram o direito do estudante e levam para o lado pessoal, como se fosse uma questão de favorecimento ou paternalismo”, esclarece a atual coordenadora do Sensibiliza, a psicóloga Paula Liliane dos Santos Godois.

Esse mesmo discurso é reproduzido por alguns universitários, Francielle relata que muitos deles ficam surpresos quando ela revela que é bolsista. “Eles se perguntam o porquê de nós recebermos uma bolsa para algo que eles consideram um favor. Ou seja, essa é uma postura assumida não só por professores, mas também por alunos.”

O aluno de Engenharia de Produção Lucas Rodrigues Loureiro recebe a assistência desde o primeiro período. Ele possui apenas 35% da visão de um dos olhos e não enxerga do outro. Para ele, ainda há um problema na falta de comunicação interna da universidade, impedindo que professores sejam notificados da entrada de calouros com deficiência nos cursos, o que atrapalha o aprendizado. No caso de Lucas, a bolsista que o acompanha, a estudante de Física Daniela Yoshimura, o ajuda a ler os textos. “Ela tem sido indispensável para que eu passe nas disciplinas”.

Curso de Psicologia é exemplo de iniciativa de inclusão

Porém, a atitude de outros professores também contribuiu para o acesso de alunos a conteúdos disciplinares antes inalcançáveis. A professora de Psicologia Marcia Moraes digitalizou e montou um banco de dados com os textos do curso, permitindo que novos alunos cegos tenham essa plataforma de acesso aos conteúdos das matérias. A ex-aluna do curso de graduação de Psicologia e atual mestranda Camila Alves serviu de referencial para o projeto, ela possui deficiência visual. Segundo Lucília, esse tipo de ação ainda não ocorreu em outros cursos. “Isso foi feito apenas em Psicologia, de maneira informal por meio dos esforços da professora Marcia e sua equipe”.

Para que mais iniciativas como essa aconteçam, o Sensibiliza faz uma intermediação entre os alunos e as coordenações dos cursos. Lucília explica que o ideal é que as coordenações notifiquem a divisão logo na entrada do aluno na universidade, para que esse auxílio seja o mais efetivo possível.

Paula ressalta que a sensibilização de professores e coordenadores é fundamental para que haja uma oportunidade igual a todos os estudantes, reconhecendo as limitações dos alunos deficientes. “Uma prova ampliada ou mais tempo para fazer uma avaliação não está tornando-a mais fácil. Só está igualando as condições entre alunos que têm deficiência e os que não têm”, explica a coordenadora da divisão.

Equipamentos facilitam o acesso aos conteúdos

Além do leitor autônomo, que digitaliza os textos, a universidade dispõe de outros aparelhos que permitem acesso às publicações acadêmicas, através de modernos equipamentos de tecnologia assistiva. As Bibliotecas do Gragoatá, do Valonguinho, de Campos dos Goytacazes e de Volta Redonda estão sendo equipadas com computadores dotados de softwares leitores de tela, scanners que transformam textos em arquivos digitais, ampliadores de tela para pessoas com baixa visão, dentre outras ferramentas. Na sede do Sensibiliza, a divisão mantém, entre outros equipamentos, uma lupa eletrônica, que aumenta consideravelmente o tamanho do texto para possibilitar a leitura feita por alunos com perda visual, cadeiras de rodas motorizadas e impressora Braille.

No curso de Serviço Social, tanto no campus do Gragoatá, como no interior do estado, em Campos do Goytacazes, as escolas já estão equipadas com laboratórios acessíveis. Nas provas, a coordenação do curso disponibiliza um notebook com um software chamado Dosvox, que faz leitura em áudio de todo o conteúdo aplicado em formato eletrônico, permitindo que o aluno faça a avaliação com mais autonomia. Mas nem todos os cursos já aderiram a essa tecnologia assistiva. “Depende da ‘sensibilidade’ do coordenador”, conclui Lucília.