O “bandejão” para além dos refeitórios: conquistas e desafios de um dos maiores restaurantes universitários do país

Crédito da fotografia: 
Paula Fernandes

Às 6h, começa a movimentação: carros chegam com os alimentos, que são encaminhados diretamente para o estoque ou para as câmaras de refrigeração ou congelamento. Ligam-se as caldeiras, recipientes de grandes dimensões que funcionam como panelas destinadas ao cozimento. Paralelamente, os alimentos do cardápio do dia são liberados para a área de preparo e de pré-preparo. Mais um dia começa no Restaurante Universitário Central da UFF, localizado no campus do Gragoatá. Em poucas horas, e como resultado de um árduo e orquestrado trabalho, que reúne dez nutricionistas e mais de 130 funcionários, entre servidores e terceirizados, as refeições estarão prontas para serem servidas. O relógio não para. Segundo a coordenadora de gestão do RU, Palmira Coca Carneiro Vieira de Souza, “o restaurante é uma grande máquina. Temos procedimento para tudo. A rotina é minimamente planejada para não atrapalhar o atendimento”.

Até o relógio marcar 11h30, momento em que o público começa a entrar no refeitório para se servir, a movimentação é intensa no restaurante, mas numa parte dele que é invisível para a maioria das pessoas, localizada atrás dos seus portões de madeira. No estoque, o alimento é separado para o dia e distribuído. Na área de pré-preparo de carnes, e já de posse do cardápio do dia seguinte, cortam-se as gordurinhas e partes impróprias para o consumo da proteína. Na área de higienização de leguminosas, faz-se uma seleção dos grãos de feijão. Cozinheiros e assistentes de cozinha se alternam mexendo as grandes caldeiras, preparando o molho e o tempero do alimento, retirando e colocando nos fornos a comida, e depois levando-a diretamente para os “armários térmicos”, onde ela é mantida em uma temperatura adequada, evitando contaminação. O encarregado de cozinha, Eraldo Bignon Terra, conhece a rotina de trás para frente. Há dezesseis anos dedicando seu trabalho ao RU, ele conta que já atuou em todos os seus diferentes setores: “comecei na bandeja, fui pra cozinha, para o estoque e daí para todas as outras partes do restaurante. Aqui, nós vamos evoluindo e aprendendo”. 

Às 10h30, nova badalada toca: é hora de a refeição já preparada seguir viagem. Armazenada em hot boxes, caixinhas térmicas para manutenção do alimento em temperatura apropriada, ela é transportada para outras unidades do restaurante universitário, no campus da Veterinária, Engenharia, Huap e Reitoria. E depois a produção segue até às 14h. Segundo com Rachel Saporito, nutricionista e chefe de controle de qualidade do RU, “como a quantidade produzida varia de acordo com a demanda, até praticamente o término do período de funcionamento dos refeitórios há movimentação na cozinha”. A nutricionista Jéssica Socas Teixeira complementa: “diferentemente de outras universidades, não trabalhamos com número fixo de refeições e sim com faixas de horário; então, temos que estimar o número dessas refeições todos os dias, que varia de acordo com o dia da semana, o tempo (se está chovendo, por exemplo), o período letivo, o cardápio do dia, etc.”, explica. Terminada a preparação do almoço, após um breve intervalo, a movimentação recomeça para iniciar os preparativos do jantar, servido até as 19h.

os restaurantes universitários têm uma função social essencial de garantir o fornecimento de ‘comida de verdade’ para a comunidade acadêmica", Jéssica Teixeira.

Esse trabalho em conjunto, que reúne mais de 100 profissionais, também se dá em sincronia com outro setor da universidade, responsável por gerir administrativamente o RU: a Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Proaes). De acordo com o pró-reitor Leonardo Vargas, são muitos os cuidados necessários para a manutenção do bom funcionamento do restaurante universitário. “A unidade do Gragoatá, por exemplo, foi construída para oferecer entre 2000 e 3000 refeições por dia e atualmente serve, em média, 7.500, acompanhando o crescimento da universidade. É pelo menos o dobro de refeições. Para atender a toda essa demanda, é preciso investir bastante e continuamente, ainda mais porque o restaurante foi construído há mais de trinta anos”, explica. Desde a sua inauguração até os dias de hoje, foram muitas as mudanças, sempre em diálogo com as necessidades dos alunos, apesar de o atendimento ter um caráter universal. “Lembro quando se servia ovo com salsicha. Hoje temos saladas variadas! As pessoas estão mais satisfeitas”, comenta o pró-reitor. Essas mudanças, segundo ele, se refletem em uma melhora na qualidade de vida dos estudantes e, consequentemente, em uma diminuição das taxas de evasão.

Buscando fazer adequações físicas para comportar esse fluxo mais intenso de alunos e servidores no “bandejão”, assim como estruturar o espaço com equipamentos mais compatíveis com a realidade atual de sua produção, a Proaes lançou mão recentemente de algumas medidas, como compra de câmaras frigoríficas para refrigeração de diferentes tipos de alimentos, fornos, máquinas de lavar louça, estufas elétricas, caldeirões industriais, entre outros. Além disso, organizou reformas internas para instalação de exaustores, troca de revestimentos da cozinha, instalação de piso e de portas, e readequação da rede de gás. E também está com processos em andamento para ampliação e revitalização da cozinha, readequação da rede elétrica, e licitação de uma empresa para manutenção de equipamentos. Segundo Leonardo Vargas, “fazemos um grande esforço para agilizar os serviços e melhorar o atendimento, apesar das dificuldades. Manter o valor do ticket alimentação a R$0,70 para os estudantes tem sido uma conquista constante, já que ele é insuficiente para cobrir os custos. Isso se deve ao comprometimento da nossa equipe, que busca encontrar soluções mesmo para as situações mais difíceis”.

De acordo com a coordenadora de gestão, Palmira Coca, desde a época em que começou a trabalhar no RU até o ano de 2019, foram muitas as mudanças: “Quando cheguei aqui, eram servidas 2000 refeições por dia. Hoje, dependendo do cardápio, elas podem ultrapassar 8000”. De forma geral, segundo ela, há uma melhoria na qualidade do serviço oferecido, que se deve, em grande parte, às verbas originárias do Reuni: “Em vez de um nutricionista para atender a toda a demanda de um setor, hoje temos quatro. De dois cozinheiros, passamos a ter seis. Além disso, contamos com uma administração aberta a nos ouvir. Isso faz toda a diferença”. Outro fator que merece destaque é a ocupação recente da coordenação do restaurante por parte de uma gestão técnica nutricionista. Para Thiago Soares da Silveira, diretor do RU, “isso representa um grande avanço na pactuação de projetos factíveis tecnicamente para o RU em conjunto com a Proaes”. 

As mudanças se estendem aos cardápios. Segundo a coordenadora Palmira Coca, “alguns alimentos anteriormente oferecidos nas refeições foram cortados, como steak de frango, hambúrguer e bacon, por exemplo. A dieta é pensada para ser saudável. Não fritamos nada. Tudo aqui é assado, cozido ou preparado no vapor. Usamos apenas corantes naturais e ervas finas. Calculamos o percentual de gordura e proteína necessários na dieta. E só colocamos enlatados na porcentagem permitida. Privilegiamos carnes como patinho, chã e alcatra. Além disso, inserimos mais saladas e sucos com polpa. A ideia é que a gente consiga ter daqui a um tempo sucos não adoçados”. Para a nutricionista Jéssica, oferecer refeições saudáveis faz parte do compromisso do restaurante junto à comunidade acadêmica: “Nosso objetivo final é fornecer alimentação saudável, segura e de qualidade. Atualmente, com a correria do dia a dia, as pessoas tendem a consumir muitos produtos industrializados e trocar refeições por lanches. As estatísticas mostram o crescimento das doenças crônicas, muitas envolvendo os hábitos alimentares como causa principal. Por isso, os restaurantes universitários têm uma função social essencial de garantir o fornecimento de ‘comida de verdade’ para a comunidade acadêmica. Temos limitações no cardápio devido a questões estruturais e, com isso, precisamos recorrer algumas vezes a alimentos de preparo mais rápido, mas sempre buscando o equilíbrio para fornecer refeições saborosas e saudáveis, respeitando os aspectos nutricionais e culturais da população atendida”.

Outra inovação se refere às adaptações do funcionamento do restaurante a diretrizes de sustentabilidade. Desde o ano passado, por exemplo, foi implantado um sistema de coleta seletiva, dando prosseguimento a um conjunto de medidas já em andamento para diminuir os impactos do consumo. Já funcionava, há alguns anos, por exemplo, a proibição nas unidades do RU do uso de copos descartáveis, que passou a ser substituído por copos e garrafas de uso pessoal. “E queremos continuar melhorando o atendimento e evoluindo em nosso trabalho em sintonia com a preservação do planeta”, afirma a coordenadora Palmira. Apesar dos esforços nessa direção e no oferecimento de um bom serviço à comunidade, a equipe esbarra em alguns problemas cotidianamente. Segundo Jéssica Teixeira, “muitas coisas acontecem nos bastidores. Costumamos dizer que cada dia é uma ‘emoção’ diferente. Recentemente, estourou um transformador no campus e ficamos sem energia elétrica, o que impossibilitou a produção de refeições. Temos muitos problemas estruturais que acontecem em qualquer momento, ocasionando atrasos ou impossibilidade de fornecer refeições. A comunidade acadêmica faz muitas cobranças, e com certeza está no direito de fazer, mas nós sabemos que toda a equipe (não só nutricionistas) está lá diariamente trabalhando muito para fornecer uma refeição de qualidade e também não ficamos satisfeitos quando essas coisas acontecem. Infelizmente, muitas delas estão acima da nossa governabilidade. As pessoas acusam os funcionários de não querer trabalhar e, por isso, não abrir o RU, mas na verdade quando essas coisas acontecem trabalhamos até mais do que quando o funcionamento é normal”, explica.

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