Nota das IFES do Estado do Rio de Janeiro sobre a consulta pública do Programa Future-se

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Foto: Luis Fortes/MEC

O Ministério da Educação apresentou para consulta pública o programa Future-se, que teria como objetivo o fortalecimento da autonomia administrativa, financeira e de gestão das Instituições Federais de Ensino Superior (Ifes). Algumas premissas devem ser consideradas cláusulas pétreas que antecedem a possibilidade de adesão a esse ou qualquer outro programa: 

 

1) garantia da autonomia universitária estabelecida pelo artigo 207 da Constituição brasileira; 

2) contratação exclusivamente através de concursos públicos para as atividades-fim das Ifes; 

3) financiamento público federal do ensino superior e manutenção da gratuidade.

 

As universidades e institutos federais do estado do Rio de Janeiro são autarquias federais com a prerrogativa do autogoverno e que têm autonomia didática, administrativa e de gestão financeira. A autonomia das Ifes está prevista na Constituição Federal com a finalidade de garantir que o pensamento crítico e a produção científica nacional estejam protegidos de ingerências externas, inclusive governamentais.

Essas preocupações se fundamentam no fato de o programa Future-se prever a contratação de Organizações Sociais, cuja finalidade é a redução do tamanho do Estado mediante a transferência de certas atividades para o chamado “terceiro setor”. A educação superior deve ser mantida pública e gratuita, pois o desenvolvimento científico e tecnológico promovido pelas instituições de ensino superior elevou o Brasil a patamares competitivos internacionalmente nas diferentes áreas do conhecimento.

A proposta foi elaborada em contexto de grave restrição orçamentária das Ifes, que correm risco real de interrupção das atividades acadêmicas neste segundo semestre de 2019. É, portanto, fundamental discutir profundamente o modelo de financiamento do ensino superior. São positivas as ideias de expandir o orçamento para além do teto de gastos e o investimento em pesquisa, inovação e internacionalização. No entanto, até o momento não há informações suficientes para avaliar, em detalhes, os impactos orçamentários do Future-se, principalmente no curto prazo, nem tão pouco seus impactos e riscos no médio e longo prazos.

É preocupante que o Future-se não contemple nenhuma proposta para garantir a maior inclusão e assistência estudantil. É fundamental que toda a comunidade das instituições de ensino superior conheça a minuta do Projeto de Lei divulgada pelo MEC.

Neste texto, teceremos uma análise, ainda preliminar, sobre três aspectos do programa: método de elaboração, detalhamento e conteúdo.

 

Método de elaboração
O Future-se pegou de surpresa todos os reitores das Instituições Federais de Ensino Superior. Em reuniões com os reitores, foi mencionado que estava sendo preparado um plano para as Ifes. O MEC nos convidou para uma exposição de linhas gerais do projeto na terça-feira, dia 16 de julho. Todavia, em nenhum momento os reitores foram convocados para contribuir com a formulação do conteúdo do texto. Como representantes legítimos de nossas comunidades e no exercício de mandatos de responsabilidade intergeracionais, estamos sempre prontos a contribuir para o futuro da educação superior no Brasil.
 

Detalhamento
Como o Future-se tem um caráter de reforma estruturante, seria necessário que se preparasse um documento sólido para ser debatido na consulta pública e pelo tempo necessário à construção de consensos mínimos. Porém, um dos principais aspectos do documento é a falta de definição dos principais contornos das medidas a serem tomadas. Além disso, o Projeto de Lei contém divergências ou é omisso sobre várias medidas que foram apresentadas pelo MEC durante entrevistas coletivas.

Podemos ressaltar, por exemplo, o papel das Organizações Sociais e do Comitê Gestor no “apoio” aos três eixos do Future-se, a saber: 

 

1) gestão, governança e empreendedorismo, 

2) pesquisa e inovação e 

3) internacionalização. 

 

Em momento algum, detalham-se quem serão os membros e como esses grupos seriam incorporados à atual estrutura administrativa das Ifes.

A proposta tem aspecto de uma carta branca para que um órgão externo às Ifes, composto por membros ainda desconhecidos, e sem necessidade de licitação pública intervenha não somente na gestão, mas nas políticas acadêmicas do ensino superior, o que pode configurar um atentado ao princípio constitucional da autonomia das Ifes.

 

Conteúdo

A falta de detalhamento é um empecilho à avaliação pormenorizada. Contudo, fica evidente a ausência de definição de políticas educacionais, mesmo aquelas que já deveriam estar alinhadas ao Plano Nacional de Educação aprovado por unanimidade no congresso nacional. O projeto faz uso de linguagem do mercado financeiro sobre a criação de fundos de investimento, direito de nomeação, cessão de imóveis públicos, entre outros, sem oferecer detalhes sobre responsabilidades, riscos e outras condições. Apesar de a base do programa ser focada em medidas financeiras e administrativas, não foi apresentada nenhuma perspectiva real de aumento no investimento das Ifes no curto ou médio prazos. Não está claro se o MEC objetiva criar uma composição orçamentária em que as Ifes seriam encarregadas de levantar um percentual fixo de seu custeio, eximindo o Estado de sua responsabilidade, o que é perverso para o desenvolvimento socioeconômico da nação.

Diante do exposto, reafirmamos nossa disposição de debater toda e qualquer proposta para a universidade brasileira, sempre guiados pelos princípios constitucionais e republicanos, com responsabilidade não somente com os novos tempos, mas também com a vida presente de nossas instituições.
 

Rio de Janeiro, 26 de julho de 2019.

 

Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, reitor da UFF;

Maurício Saldanha Motta, diretor-geral em exercício do Cefet/RJ;

Denise Pires de Carvalho, reitora da UFRJ;

Jefferson Manhães de Azevedo, reitor do IFF;

Rafael Barreto Almada, reitor do IFRJ;

Ricardo Luiz Louro Berbara, reitor da UFRRJ e

Ricardo Silva Cardoso, reitor da Unirio.

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