Pesquisa da UFF sobre preservação de tubarões é publicada na revista Nature e ganha projeção internacional

Crédito da fotografia: 
Bruno Macena (UFRPE/IMAR). Marcação tubarão baleia no ASPSP (Arquipélago de São Pedro e São Paulo).

 

Os tubarões são retratados no imaginário popular como verdadeiras máquinas mortíferas - impiedosos e imbatíveis -, porém a realidade é que eles estão sendo dizimados por um predador ainda mais perigoso: o homem. Diversas espécies do animal correm risco de extinção e essa ameaça concreta é um tema que vem afligindo a comunidade científica mundial. Em julho, a capa da tradicional revista Nature foi protagonizada por um trabalho colaborativo na área, realizado por uma pesquisadora da UFF em conjunto com diferentes universidades do Brasil e do mundo.

Além disso, o estudo ganhou destaque também na revista Forbes e no canal de notícias norte-americano CNN. O objetivo dos pesquisadores é criar ferramentas para delimitar áreas de preservação de tubarões nos oceanos, utilizando dados de monitoramento por satélite. A pesquisa propõe também uma gestão eficaz dos mares, o que contribui para a conservação de espécies altamente migratórias e busca defendê-las de um grande perigo: a pesca predatória.

Segundo a pós-doutora em Biologia Marinha e Ambientes Costeiros da UFF e participante da pesquisa, Fernanda de Oliveira Lana, os dados levantados buscam traçar um mapa global dos deslocamentos dos tubarões, utilizando uma abordagem “big data”, combinando informações sobre o movimento das espécies pelágicas, que habitam o mar aberto, e das frotas de pesca que se deslocam em todo mundo e que são rastreadas por satélites. Cerca de 24% do espaço  marítimo usado pelos tubarões está na rota das embarcações de pesca.

Algumas espécies comercialmente valiosas e outras protegidas internacionalmente tiveram perdas significativas no número de animais, chegando a 76% em algumas espécies. “Os tubarões apresentam um papel fundamental nos oceanos e na cadeia alimentar. Eles são o topo da cadeia e a sua redução gera um abalo em toda a vida marinha, pois são responsáveis pelo equilíbrio do ecossistema dos oceanos”, enfatizou a pesquisadora.

“A grande mensagem desse artigo é que, por ter sido realizado através de uma ciência colaborativa, mostra o quão esse tipo de cooperação é poderoso, uma vez que foi escrito por mais de 150 pesquisadores e biólogos marinhos de diversas nacionalidades - todos na mesma sintonia, enviando a mesma mensagem”, Fernanda Lana.

A pesquisa, destaca Fernanda Lana, é fruto de trabalhos anteriores que realizou em conjunto com o professor Fábio Hissa Vieira Hazin da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), por ocasião de seu mestrado e doutorado. O estudo, que segundo a pesquisadora é “imensamente colaborativo e global”, analisou dados de monitoramento via satélite de diferentes espécies de tubarões. “Trata-se de um estudo pioneiro em abranger os dados de marcação de tubarões de forma ampla, mapeando globalmente os movimentos desses animais”, afirma Fernanda.

 

O artigo, segundo a pesquisadora, foi composto por estudiosos de todo o mundo e algumas das marcações dos tubarões, no âmbito do Brasil, foram realizadas no Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP), a cerca de 1100 km da costa brasileira (saindo de Natal, RN) e 1800 km (saindo da África). O trabalho contribuiu para ampliar o conhecimento de cinco espécies estudadas respectivamente pela equipe composta por pesquisadores que trabalharam com o professor da UFRPE Fábio Hazin, entre os quais: o tubarão lombo-preto, estudado por Fernanda Lana (UFF); tubarão-baleia, por Bruno Macena (UFRPE); tubarão-tigre, por André Afonso (UFRPE ); tubarão-martelo, por Natália Bezerra (UFPE); tubarão galha-branca, por Mariana Tolott (UFPE), sob orientação do professor da UFRPE e co-autor do estudo, Paulo Travassos.

Segundo Fernanda Lana, a maioria dos tubarões migratórios compartilha o alto mar com a frota pesqueira comercial global, que utiliza o espinhel, técnica de pesca responsável pela maior parte das capturas de tubarões - incidentais, a que os pesquisadores chamam de “bycatch”, e também voluntárias. “Para poder quantificar a pesca desses animais em escala global foram realizadas neste estudo 1,804 marcações de tubarões, abrangendo 23 espécies, desde 2002 a 2017, e cujos dados foram levantados em 26 países, o que resultou na elaboração de um importante artigo sobre o impacto da pesca na sustentabilidade de diversas espécies de tubarões”, informa a bióloga.

Através dos resultados, os pesquisadores concluíram que cerca de 1/4 dos ‘habitats’ de tubarões estão localizados em zonas de pesca ativa, o que ameaça de forma bem enfática esses animais, cujas populações têm declinado em todo o mundo. Os resultados mostram que as atividades de pesca no alto mar atualmente estão centradas em locais de relevância ecológica para os tubarões, dados que auxiliam, por exemplo, a medidas para delimitar áreas de preservação, bem como as cotas para reduzir as capturas. Os padrões de movimento dos animais marcados indicaram que várias espécies se agregaram dentro das mesmas principais características oceanográficas.

“A grande mensagem desse artigo é que, por ter sido realizado através de uma ciência colaborativa, mostra o quão esse tipo de cooperação é poderoso, uma vez que foi escrito por mais de 150 pesquisadores e biólogos marinhos de diversas nacionalidades - todos na mesma sintonia, enviando a mesma mensagem. E o que realmente se destaca dentre os resultados é o quão pequeno é o refúgio dessas espécies de tubarões no ambiente pelágico e oceânico, revelando que ainda há muito trabalho a ser feito”, enfatiza a bióloga.

A expectativa dos pesquisadores é que um conjunto de dados tão único não seja ignorado e possa ser usado para o seu maior potencial para influenciar a proteção mais eficaz para as nossas espécies de tubarões migratórios, de acordo com a bióloga, e destacando que é possível fazer combinações de proteção que tragam benefícios de todos os lados. A partir desse estudo, fica evidente que ações imediatas de conservação são necessárias para evitar novos declínios de tubarões no oceano.

Ponto Nacional Focal

Ao relatar sobre os trabalhos que vem desenvolvendo junto à Organização das Nações Unidas (ONU), Fernanda Lana teve a oportunidade, através do convite que recebeu do Programa de Pós-Graduação em Biologia Marinha e Ambientes Costeiros (PBMAC – UFF), do qual faz parte como Pós-Doc Nota 10 da Faperj, para atuar como membro do Pool of Experts, um grupo de especialistas estabelecido pela Assembleia Geral da ONU.

A pesquisadora, durante esse período, foi nomeada como “National focal point” do Brasil (Ponto Nacional Focal). É um posto designado pelos Ministérios da Ciência e Tecnologia e Inovação dos Oceanos (MCTIC) e de Relações Exteriores (MRE). A indicação tem como objetivo a implementação do programa de trabalho para o período 2017-2020 e o aprimoramento da comunicação entre a comunidade científica, o grupo e demais órgãos e institutos envolvidos.

Fernanda explica que o Processo Regular para Avaliação Global do ambiente marinho (“Regular Process for Global Reporting and Assessment of the State of the Marine Environment”) é um mecanismo global estabelecido pela cúpula mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2002, cujo objetivo é revisar regularmente os aspectos ambientais, econômicos e sociais dos oceanos em todo mundo, além de atualizar e prever novas ações futuras.

“É uma contribuição enquanto pesquisadora e ponto focal perante a Assembleia Geral das Nações Unidas para o fortalecimento da avaliação científica periódica de como está o ambiente marinho, a fim de melhorar a base científica para a formulação de políticas públicas que irão contribuir para a manutenção e conservação dos ecossistemas mundiais”, acrescenta a bióloga.

Em janeiro deste ano, Fernanda foi convidada a apresentar um trabalho, representando o Brasil e a UFF, como Ponto Nacional Focal, no “The Multi-stakeholder dialogue and capacity-building partnership event”, na Assembleia Geral da ONU, em sua sede em Nova York. Na ocasião, ela ministrou a palestra: “Pesca sustentável e dados sobre as alterações climáticas através de prioridades regionais de cooperação internacional: passado, presente e futuro”. No evento, com transmissão online e ao vivo no site da entidade, foram realizadas palestras com representantes dos países e organizações intergovernamentais globais e regionais, bem como organizações não-governamentais, inclusive acadêmicas.

Com isso e sua participação como membro do Pool of Experts (grupo de especialistas), a  pesquisadora representou o Brasil e a UFF junto à ONU na área de meio ambiente, e em conjunto com o grupo, está elaborando o livro da ONU que engloba a Avaliação Mundial do Oceano. “Minha colaboração se estende a diversos capítulos do livro. Eles têm como base as linhas estabelecidas pela 1ª Avaliação Marinha Integrada Global, onde foram identificadas as prioridades regionais. Foram realizados diversos workshops ao longo de vários países, como Palau, Malta, Ucrânia, Indonésia, Equador, dentre outros, para discutir e elaborar os capítulos deste livro”, conclui.