Instituto de Física da UFF inaugura laboratório pioneiro na América Latina

Professora Kita Macario prepara amostra para datação com Carbono 14 - Foto: Divulgação

Recém-inaugurado, o Laboratório de Espectrometria de Massa com Aceleradores (LAMS), do Instituto de Física da UFF, é o único na América do Sul a utilizar a nova técnica de datação com carbono-14 (14C-AMS). De acordo com coordenador, Paulo Roberto Silveira Gomes, o novo método radiométrico de determinação da idade de amostras utiliza o elemento radioativo, permitindo atribuir a idade correta de qualquer objeto em um curto espaço de tempo. “As datações e rastreamentos de materiais com dezenas de milhares de anos agora se tornaram mais modernas e eficientes”, ressalta o professor.

O projeto contou com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que concedeu cerca de US$ 2 milhões e da Federação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), que participou com cerca de US$ 100 mil. A UFF foi responsável pela execução de toda a obra de instalação do laboratório,  além de oferecer bolsas de trabalho aos estudantes envolvidos.  Segundo o coordenador, o LAMS e o Laboratório de Radiocarbono da UFF (LAC-UFF) vêm proporcionando a alunos, professores e técnicos uma estrutura capaz de realizar integralmente projetos utilizando a metodologia, já utilizada com sucesso em outros laboratórios do mundo.

As pesquisas desenvolvidas no laboratório, segundo Gomes, envolvem diversas áreas da ciência e da tecnologia, como a Física, Geociências, Geoquímica, Biologia, Química, Geoquímica, Arqueologia, Arqueometria, Biologia Marinha, Geologia, Oceanografia, Solo e Mudanças Climáticas. Há perspectivas de realização de pesquisas com Farmacologia e Biomedicina.

Nova tecnologia

O coordenador explica que a inovação está na forma como o 14C é aplicado e não na técnica em si. O elemento já é utilizado em outras datações. O importante, enfatiza, “é que o novo laboratório permite a diversos grupos de pesquisa, brasileiros e estrangeiros, o desenvolvimento de projetos que seriam inviáveis pelo alto custo que apresentavam”. Anteriormente as amostras só podiam ser analisadas por 14C-AMS em laboratórios do exterior.

Na estratosfera (camada da atmosfera terrestre situada aproximadamente entre 11 e 50 quilômetros de altitude), explica o professor, ocorrem reações que produzem núcleos radioativos que se transformam naturalmente em outros núcleos. Este processo pode variar de ínfimas frações de segundo a milhões de anos, e o 14C é um destes núcleos. Usualmente chamado de radiocarbono, ele leva em media cerca de seis mil anos para que metade dos núcleos produzidos se transformem em outro núcleo estável, o que os cientistas chamam de decaimento radioativo.

O gás carbônico (CO2) que existe na natureza possui uma fração muito pequena de carbono radioativo (14C). Isto permite que os pesquisadores determinem as idades de materiais de centenas de anos até cerca de 50 mil anos, através da detecção das partículas emitidas quando o 14C decai. O processo é chamado método convencional de datação por 14C. Mas, para ser utilizado é preciso que o material a ser datado tenha uma massa de ao menos alguns gramas, e o tempo necessário para datação pode ser de muitos dias. No entanto, segundo Paulo Gomes, a técnica do AMS é uma alternativa mais recente e muito mais eficaz, e precisa ser utilizada com o auxílio de um acelerador de partículas, como o instalado na UFF.

Neste caso, somente são necessárias miligramas do material a ser datado, o que os cientistas chamam de técnica não destrutiva, e os resultados saem em alguns minutos. Então, esclarece o professor, pode-se estudar e determinar idades de quantidades ínfimas de materiais, sem destruí-los. O exemplo mais famoso foi a datação do Manto Sagrado, o Santo Sudário (Turin Shroud), supostamente o manto que cobriu Jesus Cristo. O Vaticano liberou a retirada de miligramas do manto para ser estudado. Pela técnica convencional, relembra Paulo Gomes, seria preciso destruir um pedaço razoável do manto, o que seria muito complicado. O tempo determinado apontou que o tecido foi produzido na Idade Média, o que desapontou o pontifício.

No exterior, o sistema de AMS da UFF faz trabalhos conjuntos com as universidades da Califórnia e de Oxford", relata o professor Paulo Roberto Silveira Gomes.

De acordo com Paulo Gomes, além do Instituto de Física, interessados de outros cursos da instituição também vem utilizando as novas instalações do AMS na realização de pesquisas, como por exemplo, alunos e professores do Departamento de Geoquímica, do curso de Biologia Marinha, e do Laboratório de Geologia Marinha (Lagemar), ligado ao Instituto de Geociências.

As equipes de pesquisa da UFF que utilizam o novo laboratório fazem diversas datações de sítios arqueológicos, de materiais ligados a incêndios na Amazônia, deslocamentos de glaciares da Antártica, sedimentação de solos e da plataforma continental. São inúmeras as aplicações das determinações de idade por 14C, principalmente se forem feitas pelo método 14C-AMS. Pesquisadores de todo Brasil e de outros países já estão usufruindo da infraestrutura do novo laboratório de espectrometria.

Do estado do Rio de Janeiro, já utilizam a tecnologia do laboratório, a UERJ, UFRJ e Museu Nacional. De São Paulo, o Instituto de Física recebe pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) e da USP de Piracicaba. Do sul do Brasil, o LAMS recebe técnicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), de Santa Maria (UFSM), Federal do Rio Grande (FURG) e Universidade Estadual de Londrina (UEL). Técnicos da Petrobras, do Instituto Tecnológico Vale e da Braskem, além das indústrias de plástico e combustíveis, também contam com a nova infraestrutura do LAMS. “ No exterior, o sistema de AMS da UFF faz trabalhos conjuntos com as universidades da Califórnia e de Oxford. E estamos auxiliando na implantação de um laboratório com a mesma tecnologia na Universidade de Akdeniz, na Turquia”, enfatizou o professor.

Em 2014, durante uma conferência de física nuclear na Universidade Akdeniz, em Antalya, Turquia, o professor Paulo Gomes foi informado do desejo de se ter uma equipe de pesquisadores, cientistas e técnicos turcos que queriam começar a trabalhar em datações com 14C com a técnica convencional. Para eles, a compra de um acelerador que permitisse o uso da técnica do 14C-AMS era inviável financeiramente. O professor então explicou que “aquela técnica era ultrapassada e que o acelerador mais moderno existente para datações com o elemento não era tão caro”.

Segundo o coordenador do AMS, após o esclarecimento, os pesquisadores turcos resolveram investir na compra de um acelerador igual ao instalado no Instituto de Física e, desde então, ele presta consultoria à universidade turca, no que diz respeito, por exemplo, a modelos de equipamentos e ao preparo de amostras para datação. A UFF, brevemente, realizará curso de capacitação para pesquisadores e técnicos da universidade da Turquia. Até que os pesquisadores turcos dominem a técnica, as amostras de suas pesquisas serão enviadas para a datação ao laboratório de Espectrometria da UFF. Em junho, o pesquisador Paulo Roberto Silveira Gomes retornará à universidade de Akdeniz para proferir palestras sobre a utilização da nova técnica de datação.

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