Desconstruindo o machismo nas academias: professora da UFF é destaque em prêmio na área da matemática

Crédito da fotografia: 
Vikki Marie Page

Qual imagem vem à sua mente quando pensa em matemática? Um quadro negro coberto por fórmulas escritas a giz? Números impressos em embalagens? Uma calculadora? E quando você pensa no ensino de matemática? Um senhor de bigode atrás de um livro, em uma sala de aula? Um filme hollywoodiano com atores famosos interpretando gênios do cálculo? Em alguma das cenas imaginadas vem à mente uma mulher? Em contraste com os estereótipos associados ao universo da matemática, descrito culturalmente como um lugar tipicamente masculino, na Universidade Federal Fluminense, esse campo das ciências exatas tem hoje o rosto, o corpo e o nome de uma mulher: María Amelia Salazar.

Professora do Departamento de Matemática Aplicada e membro da Pós-graduação em Matemática, María foi uma das sete cientistas premiadas na edição de 2020 do programa “Para Mulheres na Ciência”, promovido pela L’Oreal Brasil em parceria com a UNESCO Brasil e a Academia Brasileira de ciências (ABC). O objetivo da iniciativa é  aumentar a visibilidade das conquistas femininas nos diferentes campos da ciência, além de apoiá-las em seus estudos com uma bolsa-auxílio de 50 mil reais. De acordo com a docente, “o prêmio é um incentivo e um reconhecimento de que estou fazendo uma boa pesquisa, servindo também para divulgar meu trabalho. Do ponto de vista pessoal, essa conquista dá um grande ânimo para continuarmos, já que atuar na área da pesquisa, mesmo sendo muito satisfatório, é desafiador”, comemora.

A pesquisadora destaca o caráter singular de uma premiação como essa, voltada para a amplificação do debate acerca da ciência como um lugar também feminino e para a desmistificação dos papéis sociais da mulher. “Nós crescemos em uma sociedade na qual o nosso valor se baseia na beleza e a visibilidade se concentra na aparência física. Quando se seguem tais princípios, chega-se muito rapidamente à objetivação da mulher e à violência de gênero (seja uma violência explícita ou uma mais sutil). A nossa inserção na ciência foge deste valor fictício da beleza e mostra como nós podemos ser apreciadas em âmbitos que têm sido historicamente masculinos. Dar visibilidade às mulheres na ciência mostra que somos capazes de fazer qualquer coisa que queremos de forma exitosa, que nós não dependemos dos homens em questões que tradicionalmente foram dominadas por eles, e que estamos construindo a sociedade juntos. Estas cientistas servem como inspiração e como exemplo de nossa capacidade e êxito”, enfatiza.

a universidade pública teve um papel historicamente fundamental na conquista de espaços para as mulheres, dando acesso universitário a elas e, portanto, formando profissionais competentes e com uma maior acessibilidade laboral", María Amelia Salazar.

Para María, é importante levar esse debate para dentro das academias, fazendo frente aos lugares preestabelecidos como de domínio masculino e dissolvendo preconceitos ainda muito presentes acerca das capacidades e habilidades femininas em determinadas áreas do conhecimento. “Apesar de termos avançado no mundo acadêmico em relação à equidade e ao respeito às mulheres, ainda falta bastante para lograr esses objetivos. Mesmo que a violência de gênero tenha diminuído nesse universo, infelizmente ainda escutamos sobre situações inaceitáveis de abusos. As práticas machistas ainda muito comuns são mais sutis, desvalorizam e discriminam o feminino, e muitas delas são tão padronizadas que nem as percebemos. É comum que colegas façam comentários em tons paternalistas a nós; é comum que nossas ideias e comentários não sejam considerados com seriedade e sejam até mesmo depreciados; é comum que nós cientistas sejamos questionadas sobre nossos méritos quando em colaborações científicas com homens”, desabafa.

A pesquisadora ressalta ainda o papel estratégico da universidade pública na desconstrução dos lugares históricos que encarceraram o feminino em imagens de mulheres prontas para o consumo, à serviço das necessidades do universo masculino, intelectualmente inferiores ou como encarnações de um “sexo frágil”. Segundo ela, “a universidade pública teve um papel historicamente fundamental na conquista de espaços para as mulheres, dando acesso universitário a elas e, portanto, formando profissionais competentes e com uma maior acessibilidade laboral. Na medida em que a mulher possui uma representabilidade igualitária na academia nos mais diferentes cargos, isso permite mostrar que somos igualmente capazes intelectualmente. Além disso, a universidade pública respeita direitos básicos, como igualdade salarial para ambos os sexos, sendo que este direito infelizmente ainda não se pratica em todos os âmbitos laborais”.

Por fim, María aponta a universidade pública como um ambiente fértil para a construção de um diálogo com os chamados “grupos minoritários”, que operam às margens do status quo; entre eles, o que luta pela ampliação dos direitos femininos. Como um espaço inclusivo que é, ela não cala aqueles que socialmente não têm direito à voz; pelo contrário, lhes devolve a voz, estimulando-os a falar. “Esse universo é, por natureza, o ponto de encontro de vários grupos com características muito distintas. Isso faz dele o lugar perfeito onde não apenas se estuda um curso, mas as diferenças são conhecidas e compreendidas, onde vários problemas se tornam evidentes e se conversa sobre eles. Não tenho dúvidas de que é na universidade pública que muitos de nós começamos a tomar consciência da desigualdade de gênero graças às conversas que participamos sobre o assunto. Tomar consciência dessa problemática é um passo muito importante no combate a essas desigualdades”, finaliza.

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